Mercadejando metais e breves víveres nas plagas da Mesopotâmia, umbigo-que-não-cicatriza do mundo, gastava-se o árabe criado por judeus, órfão agregado a rebeldes, Sahhir.
Ironicamente referido como “O Devorador de Papiros” ou “O Perscrutador” pelo rude populacho dos mercados a quem servia, em certa e ditosa feita, enveredando sozinho entre o deserto de Syn e a gloriosa Madinat as-Salam, dita Bagdá (Bag, “deus”, e dād, “dado”; “dado-por-Deus”, no persa médio, sexta das línguas de Sahhir), encontrou-se o curioso mercante com o Anjo do Senhor.
Prostrando-se em terra, clamou por seus pecados.
– Que desejas, pequeno barro, semelhança do Altíssimo?
Sahhir, locupletado de luz e horror, não confabulou curas ou joias, palácios ou patentes:
– Sou pó e do pó lhe adoro, Deus de meus benfeitores, e sei que morrerei por lhe contemplar.
Sabes bem, ó Onisciente, que desejo, com humildade, saber e apenas saber. Conte-me, rogo, como e para que fizeste o Universo?
– Tais questões fogem à capacidade que lhe dei, ó enxertado, como o voar está distante de Beemoth-a-baleia. No entanto, naquilo para o que a engendrei, vês como é deveras insuperável e poderosa?
– Sei bem que não poderei entender, Senhor; a mim me basta o ser maravilhado.


Sammis Reachers (Niterói, 1978). Poeta, escritor, antologista e editor. Autor de cinco livros de poesia e um de contos.


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Um comentário sobre ldquo;Sahhir, o perscrutador, encontra-se com Deus, por Sammis Reachers

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